31 de dezembro de 2011

✶☽☀




Que o novo ano que se avizinha seja o melhor possível para todos nós. Sê bem-vindo 2012!

25 de dezembro de 2011

Hoje sim é Natal.



Apesar da Consoada na noite de ontem, da mesa farta, da família reunida e dos presentes, o dia de hoje, para mim, é sempre o mais especial e aquele em que sinto, verdadeiramente, o Natal.

Espero que em vossas casas estejam a ter o melhor Natal possível, junto daqueles que mais amam. Desejo-vos o trivial que de trivial não tem mesmo nada: saúde, paz e amor - tudo o resto é acessório e virá por acréscimo.

Um feliz Natal para todos!

18 de dezembro de 2011

Sinto a terra nos meus pés.



Ontem, por entre moçambicanos, recordações de Moçambique, lembranças da Beira, canções de Natal e Bolo-Rei, recebemos a notícia da morte de Cesária. No meio da consternação de todos, alguém disse, sinto a terra nos meus pés, e eu senti também, mais ainda ao recordar os pés descalços da "Rainha da Morna", sempre que cantava.

1 de dezembro de 2011



Hoje, sim, começa-se a viver o Natal por aqui. Intimamente, a minha quadra natalícia começou no domingo passado, o primeiro do calendário do Advento. Mas as demonstrações e decorações das festividades começam hoje, se tudo correr bem e conseguir tempo para montar a árvore e decorar a casa (o dia começou tarde e vai ser preenchido, por isso não me garanto ter tempo para tudo). 
Hoje começa, para mim, também, a antecipação de uma das coisas que eu mais gosto no Natal - a oportunidade de oferecer presentes àqueles que me são mais queridos e especiais. Muito mais do que receber presentes, gosto de os oferecer - e, antes disso, de os escolher e/ou fazer com carinho a pensar nas pessoas que os receberão. Gosto do processo todo, mas, acima de tudo, vibro com o momento em que as pessoas os abrem e eu posso observar as suas reacções. É tão bom quando conseguimos fazer alguém sorrir com o presente mais singelo do mundo, contudo carregadinho de amor. 
Por tudo isto, o vídeo acima, descaradamente roubado à sem-se-ver e guardado à espera deste dia, deixou-me de lágrima no olho e um sorriso de ternura e encantamento. Porque, muito mais do que qualquer outra coisa, o Natal é estarmos com aqueles que amamos e fazê-los felizes, com gestos simples, mas cheios de tudo.

27 de novembro de 2011

Fado também é poesia.

Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se um português marinheiro,
dos sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que inventasse,
se um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.

Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.

Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.

Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.

- Alexandre O'Neill -

Silêncio...








...que se vai cantar o Fado!

Ah fadistas!



24 de novembro de 2011

20






You'll always be a shooting star leaping through the skies like a tiger defying the laws of gravit.

19 de novembro de 2011

*

Pátria


Por um país de pedra e vento duro
Por um país de luz perfeita e clara
Pelo negro da terra e pelo branco do muro
Pelos rostos de silêncio e de paciência
Que a miséria longamente desenhou
Rente aos ossos com toda a exatidão
Dum longo relatório irrecusável

E pelos rostos iguais ao sol e ao vento

E pela limpidez das tão amadas
Palavras sempre ditas com paixão
Pela cor e pelo peso das palavras
Pelo concreto silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as coisas nomeadas
Pela nudez das palavras deslumbradas

— Pedra rio vento casa 
Pranto dia canto alento 
Espaço raiz e água 
Ó minha pátria e meu centro

Eu minha vida daria
E vivo neste tormento


- Sophia de Mello Breyner Andresen -  

* Estamos todos tão precisados de esperança. E sim, falo no plural.

10 de novembro de 2011

4


Das certezas que me guiam.

(Só tu me fazias fazer estas figurinhas, mas enfim... ;) )

9 de novembro de 2011

22


Hoje não quero saber da crise, da Troika, do possível fim do Euro e/ou da UE como a conhecemos, do duo franco-alemão, nem do ursinho que a Merkel ofereceu à petite Bruni-Sarkosy. 
Hoje só quero lembrar os sorrisos rasgados, as lágrimas de alegria e os abraços, daquele que foi um dos dias mais marcantes da minha vida.

7 de novembro de 2011

Uma noite inteira de sono profundo e sonhos leves.

Um minuto sobre o lado
esquerdo.
Um minuto sobre o lado
direito.
Um pouco de costas,
um segundo sobre o ventre.
Dou voltas no vazio.
Frio nos meus sonhos,
frio na minha cama.
Os ladrões de sono saquearam a minha noite,
um deles
teve pena de mim
e deixou-me a manhã
na mesa-de-cabeceira.

- Maram-Al-Masri -

Será pedir muito?

Oh doce, doce Portugal!! *



* Citando a Miss Lee (no FB).

5 de novembro de 2011

Das certezas que me guiam.

- Porto, Aliados -

When you're down and troubled
And you need some loving care
And nothin', nothin' is goin' right
Close your eyes and think of me
And soon I will be there
To brighten up even your darkest night

You just call out my name

And you know wherever I am
I'll come runnin' to see you again
Winter, spring, summer or fall
All you have to do is call
And I'll be there
You've got a friend

If the sky above you

Grows dark and full of clouds
And that old north wind begins to blow
Keep your head together
And call my name out loud
Soon you'll hear me knockin' at your door

You just call out my name

And you know wherever I am
I'll come runnin', runnin, yeah, yeah,
to see you again
Winter, spring, summer or fall
All you have to do is call
And I'll be there, yes I will

Now ain't it good to know

that you've got a friend
When people can be so cold
They'll hurt you, yes, and desert you
And take your soul if you let them
Oh, but don't you let them.

You just call out my name

And you know wherever I am
I'll come runnin, runnin', yeah, yeah, yeah
to see you again
Winter, spring, summer or fall
All you have to do is call
And I'll be there, yes I will
You've got a friend,
you've got a friend,
ain't it good to know,
you've got a friend,
ain't it good to know,
ain't it good to know,
ain't it good to know,
you've got a friend,
oh yeah now, you've got a friend,
yeah baby, you've got a friend,
oh yeah, you've got a friend.

22 de outubro de 2011

?!

A noite passada tive o sonho mais estranho de sempre. Uma espécie de Kubrick meets Wim Wenders meets Manoel de Oliveira, mas com cenários, elenco, iluminação e fotografia de uma qualquer novela de produção nacional. Inexplicável.

16 de outubro de 2011

2+2

Junho de 2011


Nestes últimos tempos, tomei conhecimento de dois projectos completamente diferentes, mas que me tem dado um enorme prazer acompanhar. 

O primeiro - Berlinda.org, é, nas palavras certeiras da Helena, "uma publicação online dedicada à interação cultural entre Berlim e o mundo de língua portuguesa. Berlinda.org dirige-se por um lado aos falantes de português que queiram usufruir da rica actividade cultural de Berlim, e também aos berlinenses interessados na cultura em português. É assim um magazine cultural bilateral, para visitantes e residentes, alemães e estrangeiros, e para todos os interessados nas trocas culturais entre Berlim e o mundo de língua portuguesa.
Berlinda.org descobre a cidade na perspetiva do Outro, que é à vez alemão, português, brasileiro, angolano, moçambicano, cabo-verdiano, são tomense, guineense ou timorense. Mostra a cidade vista por dentro, relata a mestiçagem cultural que nela diariamente se vive, e salienta também aspetos endémicos, de interesse para o visitante e/ou residente.
Berlinda.org pretende ser uma plataforma para a mostra da criação artística e fenómenos culturais destes dois mundos - Berlim e o mundo que fala português, um espaço para o olhar subjetivo do Outro sobre esses fenómenos, e sobretudo um lugar para a reflexão sobre as trocas e influências mútuas daí resultantes.Berlinda.org é um roteiro para a descoberta, uma ponte entre estes mundos.Um lugar para várias culturas, vistas pelo olhar do Outro."
Para mim, que sou apaixonada pela cidade, que tenho fortes ligações à língua e ao país, é sempre uma lufada de ar fresco passar por e inteirar-me do tudo e tanto que por se passa. Vale bem a pena deixarmo-nos perder por ali. 

O segundo - the Mixed Race Project,  chega-me através do olhar sensível e curioso da Jenna. Há já algum tempo que a sigo, assim como à sua família, ao seu trabalho, alegrias e tristezas, viagens e conquistas, dúvidas e frustrações. Tem uma escrita clara e cativante e revejo-me muitas vezes naquilo que escreve, apesar do oceano que nos separa e das óbvias diferenças culturais e de background.
Este projecto, aparentemente simples, deixa-nos perceber que somos todos muito mais parecidos do que por vezes gostamos de demonstrar e que todas as diferenças só deveriam servir para nos enriquecer enquanto seres humanos. As fotografias, retratos espontâneas da vida de várias famílias multirraciais, permitem-nos entrar um pouco nas suas casas e no seu quotidiano, mostrando-nos pormenores que, apesar das diferenças, nos parecem tão familiares.

Depois, há dois sítios por onde passo regularmente e que enchem os meus dias de sorrisos e ternura.

O primeiro - Enjoying the Small Things, o blogue da Kelle Hampton, mãe, acima de tudo, onde nos mostra vários momentos da sua família tão especial, nos relata a sua vida de forma genuína e emotiva e nos faz olhar de uma forma normal para a diferença. A história do nascimento da sua segunda filha, Nella Cordelia, é absolutamente imperdível. 

O segundo - lila was here, é o registo fotográfico da vida de Lila, uma menina que cresce aos nossos olhos. Observo aquelas fotografias e só vejo ternura e amor.

15 de outubro de 2011

Constatações.


〪Os dióspiros são, com a certeza possível de quem (ainda) não provou todos os frutos do mundo, os meus preferidos.

〪Adoro comer mel à colherada...e leite condensado...e Nutella ;)

〪São quase 2h da manhã, sábado, 15 de Outubro, e eu acabo de passear o meu cão de Havaianas, saia de algodão e top de alcinhas. Era bem capaz de viver assim (quase) o ano inteiro. Aliás, o meu calendário ideal teria 5 meses de Primavera (Janeiro a Maio), 5 meses de Verão (Junho a Outubro), 1 mês de Outono (Novembro) e outro de Inverno (Dezembro). Mas com todas as características de cada estação, assim uma coisa à séria - e com neve no Natal, de preferência.

14 de outubro de 2011

...




Ela tem-me salvo os dias. Esta voz, que me continua a arrepiar como muito poucas. Ouço-a enquanto trabalho e choro, choro muito. Não sei onde guardo tantas lágrimas. Trabalho e choro. E escrevo - não aqui, mas onde sei que as minhas palavras estão a salvo. Talvez um dia lhes dê outro rumo que não a vida solitária que têm levado, guardadas algures por entre os vestígios da minha existência. Por agora, agarro-me ao que tenho e tento viver um dia de cada vez. Não está fácil, mas melhores dias têm que estar algures mais à frente no caminho. Por vezes falham-me as forças, apetece-me desistir, deixar correr as águas do rio e sentar-me na margem, quietinha, sem pensar em mais nada. Mas não posso, nem quero, em abono da verdade. Quero correr atrás, conquistar sonhos, deixar pegadas, ser feliz. Nunca precisei de muito - sou pelas coisas simples, que são tantas vezes as mais difíceis de conseguir, pois não há dinheiro que as compre. Acredito que sou capaz de muito mais, nunca tive medo de arregaçar as mangas e ir à luta, da mesma forma que o trabalho nunca me assustou, fosse ele qual fosse. Só peço para ter a energia suficiente e a sabedoria necessária para atravessar esta tempestade que se abateu sobre as nossas vidas. O resto eu sei que tenho, mesmo que meio adormecido dentro de mim - a dor, a tristeza e a frustração podem não matar, mas moem-nos a alma até a deixar como um fantasma daquilo que já fomos um dia. Preciso de paz. E de uma boa noite de sono. O resto eu tenho, eu sei que tenho.

13 de outubro de 2011

Somente.

Eu quero uma licença de dormir,
perdão para descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o profundo sono das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes.

- Adélia Prado
-

12 de outubro de 2011

Cristo Redentor...



...braços abertos sobre a Guanabara.



Faz hoje 80 anos. Abençoa, cuida e guarda uma das cidades da minha vida - ainda que nunca lá tenha estado. Desde que me conheço por gente que sinto o coração partido ao meio e metade da alma do outro lado do oceano. Não sei explicar melhor do que isto...dizem-me que é o chamamento do sangue, o apelo das origens e de uma raiz que é também a minha. Um dia, sei (sinto!) que está para breve, todos os pontos se vão ligar e eu vou poder, finalmente, completar uma viagem que os meus antepassados começaram. Devo isso a muita gente, mas, acima de tudo, a mim mesma. Há que fechar o círculo e achar a última peça do puzzle. De certa forma, sempre soube que é esse o meu destino.

11 de outubro de 2011

Estórias Abensonhadas

 Mia Couto - Prémio Eduardo Lourenço 2011


Entre o desejo de ser
e o receio de parecer
o tormento da hora cindida

Na desordem do sangue
a aventura de sermos nós
restitui-nos ao ser
que fazemos de conta que somos
  
Ser, parecer, in Raiz de Orvalho e outros poemas



Vivia em ilha ventada, onde mais ninguém. Chamava-se Bartolominha, era minha avó favorita. O lugar dela era mais arejado que o céu, exposto ao longe e ao esquecer. Seu marido, Bastante António, sempre fora o faroleiro. Exercia aquelas luzes, noite adentro, sem que nenhuma vez tenha faltado no seu alto posto. Mesmo sem salário durante consecutivos anos, ele se manteve em fiel actividade. Esqueceram-se dele ali, os dos serviços centrais, lá onde o dinheiro brilha e a gente apodrece. Impassível, sem se queixumar, o avô Bastante se impunha a si mesmo, infalível, essa missão de iluminar as grandes rochas da costa. Nunca por seu lapso barco algum desfaleceu de encontro à rebentação.
De pouco lhe valeu tanta diligência: Bastante António morreu quando subia a enorme escada em caracol. Seu corpo subia mais rápido que o coração. Num segundo, essa intermitente luz de dentro deixou de lhe iluminar o peito. A notícia chegou-nos anos depois quando um ocasional barco passou por nossa cidade.
A família, de pronto, se fez ao mar. Havia que resgatar Bartolominha. A avó não podia ficar assim sem amparo naquela tão distante solidão. Acompanhei os restantes nesta missão de recuperar nossa idosa parente. Muito quem chorava era minha mãe, sua dilecta filha. Durante a viagem de barco, ela se inconsolava: quem sabe a avó, entretanto, já desistira de viver e não tinha tido quem a enterrasse?
Desembarcámos com o peito enrodilhado, olhando a medo os recantos do sítio. Suspirámos alto quando Bartolominha veio às rochas, envolta em sua capulana, a mesma que eu nela sempre recordava. Quando lhe falámos em sair dali, ela se contrafez. Afinal, viéramos buscá-la? Pois que fossemos na mesma via de regresso, que ela dali não arredava. Argumentou meu pai que ela não podia viver isolada de tudo, em lugar tão despertencido de gente. Falou meu tio que ali não chegava nem desembarcava notícia. Minha mãe acrescentou muitas lágrimas, com alma entalada na garganta.
Bartolominha respondeu, sem palavra, apontando a campa junto ao farol. Depois, se afastou e ficou de costas olhando o mar. Era como se, em silêncio, nos convocasse. Alinhámos com ela, perfilados frente ao oceano. Que queria ela dizer, assim muda e queda? Usava o oceano como argumento? Meu tio ainda insistiu:
– Quem lhe arranja sustento?
Nos mostrou,então, o pelicano. Era um bicho que ela criara desde pequenino. A ave se afeiçoara, mais doméstica que um familiar. A pontos de ir e vir e, todos os dias, lhe trazer peixe para ela se refeiçoar.
– Tenho que ficar aqui, regar o farol. Foi o meu bastante que me pediu para eu não deixar emagrecer este farol.
Regressámos sem a conseguir demover. Eu fiquei com o pensamento roendo-me o sono. Durante noites fui roubado ao descanso. Podia eu deixar o assunto assim? Não, eu não podia desistir.
E voltei a visitar a ilha. Demorei-me ali uns tantos dias. Juntei argumento, aliciei convite. A avó que viesse que eu lhe daria guarida e aconchego em minha nova casa. Mas nada. O mesmo sorriso desdenhoso lhe vinha aos lábios. Depois lhe sugeri que viesse comigo viajar por terras lindas.
– Só quero viajar quando for completamente cega.
Estranhei. Nem respondi, esperando que mais se explicasse. E sim, ela continuou:
– É que eu vivi tudo tão bonito que só quero visitar lugares que já estejam dentro de mim.
Arrumei a vontade. A velha senhora tinha raízes fundas. Em desfecho de conversa, eu lhe disse que, quando fosse, no dia seguinte, deixaria um barco amarrado nas árvores da praia. Para o que desse. Ela encolheu os ombros, enjeitando de vez a minha teimosia.
Nessa noite, jantámos em silêncio sob o peso de uma não dita despedida. Bartolominha proclamou o seu cansaço e anunciou que se ia retirar para seu quarto. Fizera do farol o seu aposento. Ela subiu os primeiros degraus e, antes de desaparecer no escuro, chamou o pelicano. Deitava-se com o bicho. Dormiam, inclusive, na mesma cama. Ele lhe estendia as asas e ela adormecia abraçada ao passarão. Dizia que assim seu corpo aprenderia a arte de voar.
– Uma dessas tardes vou com ele, por esses aforas.
Deitei-me olhando as estrelas como buracos no fundo preto de um tecto. Me deixei adormecer mas logo fui despertado por um estranho pesadelo. Na realidade, eu não sonhava com nada. Nem mesmo entendia o porquê desse meu impulso ao erguer-me da esteira. Era como se eu fosse guiado por vozes, escuro adentro. Me dirigi à campa e raspei as areias com os pés. Descobri então que o buraco era raso: a sepultura não tinha fundura nenhuma. Quando me debrucei sobre os restos vi os ossos que se esfarelavam. Eram ossos de um pássaro. E um muito volumoso bico.
O meu coração bateu, desordenado. Subi as escadas, tão veloz que as tonturas quase me roubaram do mundo. Não cheguei a tempo. Junto ao patamar do farol ainda toquei uma pena branca, esvoadiça. Fiquei na varanda com o vento me vestindo a alma. Num certo momento, ainda pensei vislumbrar Bartolominha revoando como se dançasse na fugaz intermitência do farol. Desde essa noite sou o faroleiro da ilha do avô Bastante. E aceno quando passam as grandes aves.

Bartolominha e o pelicano, in Na berma de nenhuma estrada

3 de outubro de 2011

Cenas de domingo...outonando.

  
Neste Outono quente que a vida nos tem oferecido,


neste tempo de romãs,


de luz dourada


e tardes amenas,


os domingos são aproveitados para explorar o jardim,


 apanhar dióspiros

  
e ansiar pelo tempo das tangerinas.

  
Os pés ainda andam (quase) descalços

  
e o corpo pede roupas leves para espantar o calor.


Alguns vestígios dos dias estivais persistem pelo jardim

   
e ninguém resiste a um mergulho e a muitas fotografias divertidas tiradas ao ar livre.


 Ao fim da tarde, há ainda tempo para trepar às árvores,


 jardinar em biquini


e fazer descobertas inusitadas.


Os dias difíceis estão longe de estarem terminados, mas há em mim uma esperança que se tem renovado ultimamente. Sei que a estrada é sinuosa, que o vento nem sempre nos vai correr de feição e que muitos dias piores virão antes de finalmente alcançarmos a paz merecida.  

Como diria Pessoa: Pedras no caminho? Guardo todas, um dia vou construir um castelo…



Entre muitos outros sítios, ando, todos os dias, também por aqui.

22 de setembro de 2011

O peito como bússola.

Já que não estamos aqui só a passeio
Já que a vida enfim, não é recreio
Eu vou na bubuia, eu vou
Eu vou na bubuia, eu vou


Flutuo, navegando, sem tirar os pés do chão
Trezentos e sessenta e cinco dias na missão
Na bubuia, eu vou
Eu vou na bubuia, eu vou


Subo o rio no contra-fluxo à margem da loucura
Na fé que a vida após a morte continua
Eu vou na bubuia, eu vou
Eu vou na bubuia, eu vou


Entoo uma toada em dia de noite escura,
Na sequência, na cadência, na fissura,
Eu vou na bubuia, eu vou


Eu vou, suave, bebendo água na cuia

Olho aberto, papo reto, o peito como bússola
Nenhum receio do lado negro da lua
Que me guia na bubuia


Eu vou na bubuia, eu vou

O destino é um mar onde vou me desfazer
Contente a deslizar na correnteza do viver
Na bubuia eu vou
Eu vou na bubuia, eu vou..


- Céu, Bubuia