1 de junho de 2011

E a Morte é uma águia cujo grito ninguém descreve. *







Jardim- Primavera 2011

Um banco de madeira e uma pedra de mármore. Uma conversa profunda e nostálgica. O rosto da J. igual ao da mãe, o sorriso que me devolve a memória exacta da F., os mesmos gestos que reconheço em tantos de nós. Coisa estranha a genética, os laços de sangue e a sensação de ter peças do meu próprio puzzle espalhadas pelo corpo e pela alma de outras pessoas. A família reunida - somos tantos, ainda. Os abraços de consolo, de conforto e da certeza de que, haja o que houver, havemos de estar sempre todos, ali ou noutro qualquer lugar. A D. tão crescida, vagueando entre o mundo dela e o nosso, meio perdida, sem saber como agir...por vezes penso que se estará bem melhor do outro lado, onde ela se costuma refugiar, sobretudo da incompreensão daqueles que só conseguem andar em linha recta, desconhecendo por completo que há mais vida para além do horizonte. A roda da vida que desandou novamente, num ciclo cruel, imprevisível e imparável. A lista de convidados para o casamento da J. que voltou a diminuir, tenho medo que isto não fique por aqui, sussurra-me ao ouvido, a meio de um abraço apertado que nos transportou para outro tempo e outro lugar, quando ambas usávamos totós e nos sentávamos nas escadas de pedra a filosofar. Tudo muda, se transforma e se renova, dissera-me o V. pouco antes, numa repetição de frases feitas, embora verdadeiras, tentando consolar o inconsulável, porque inevitável, apesar do sofrimento que provoca nos que ficam. Os rostos na sombra, protegendo-se do sol de fim de tarde, que encandeia o olhar já de si encandeado pela dor. O até já de quem sabe que dali a pouco estaremos de novo todos juntos, desta vez para um até sempre, para a ausência palpável de todos aqueles que amamos e vemos partir para a incerteza, para o vazio. 

Costumo imaginá-los a todos, algures num jardim parecido com o nosso. A S. sentada ao colo da avó A., à mesa do lanche - uma mesa enorme, toalha de linho branca e um serviço de chá de porcelana às florzinhas. A avó C. a servir o seu Bolo Inglês, a F. a conversar com a M., o tio A. a tocar guitarra à sobra de um chorão, enquanto todos os outros se deliciam com os scones da bisa M. . Sossega-me a alma e, por breves instantes, sorrio entre lágrimas.

* Cecília Meireles

29 de maio de 2011

A saudade...




... por vezes também acontece sobre carris. Sinto falta de olhar o mundo através da carruagem de um comboio.